Na vila de Joanes, em Salvaterra (PA), o Projeto Mearim atua com ações de educação patrimonial e fortalecimento da memória coletiva. A proposta é clara: promover acesso ao conhecimento histórico e cultural a partir das próprias vivências da comunidade.
No novo episódio do podcast Ecos do Marajó, o tema gira em torno de uma iniciativa de base comunitária que vem atuando com memória, formação e ação cultural no arquipélago do Marajó. O foco é o Projeto Mearim, que trabalha diretamente com educação patrimonial na vila de Joanes, no município de Salvaterra.
A entrevista foi com Kelly Pantoja, professora da rede municipal, pesquisadora em antropologia e fundadora do projeto. A partir de vivências no território e pesquisas de campo, ela construiu uma proposta que busca organizar o acesso à história local e à memória coletiva da vila, sem filtros idealizados, mas com base em experiências reais.
“Durante a pesquisa de mestrado, percebi que muitos moradores da vila não conheciam nem as histórias mais básicas do lugar onde moravam. A partir disso, entendi que a memória local precisa ser trabalhada como um direito, não como um conteúdo para eventos esporádicos.”
Educação Patrimonial com Foco em Formação e Acesso
Diferente de iniciativas escolares formais, o Mearim desenvolve atividades educativas fora da sala de aula, diretamente nos espaços públicos e junto aos moradores. Isso inclui oficinas, rodas de conversa, cortejos culturais e intervenções artísticas que tratam do pertencimento ao território a partir da história e dos saberes locais.
Dois exemplos marcantes são o Luau do Mearim e o Auto da Santa Encantada, eventos realizados nas ruas da vila com participação ativa de jovens, adultos e idosos da própria comunidade. Nessas ações, são apresentadas histórias registradas durante as pesquisas, especialmente as narrativas de Dona Emília, uma moradora reconhecida por sua contribuição à memória oral de Joanes.
“Não é sobre folclore ou folhetim. São histórias de vida. São relatos que falam de organização social, de experiências com a natureza, de conflitos e de relações com o território. Nosso trabalho é garantir que isso não se perca.”
Além de fortalecer a memória local, o projeto também atua com a documentação de práticas culturais, como o Boi-Bumbá nos terreiros, manifestações ligadas à pajelança, e formas tradicionais de uso da paisagem, como o respeito a rios e matas.
Enraizamento Local e Articulação em Rede
Kelly Pantoja destaca que o projeto só faz sentido se for construído a partir da escuta e da ação dos próprios moradores. Não se trata de levar uma solução de fora, mas sim de organizar e ampliar aquilo que já existe no cotidiano da vila e que muitas vezes é invisibilizado, tanto nas políticas públicas quanto nos discursos sobre cultura.
“A ideia é simples: quem mora aqui precisa saber o que existe aqui. É sobre ter acesso à própria história e poder decidir o que fazer com ela. Educação patrimonial não é algo decorativo. É ferramenta de formação crítica.”
Em 2024, o Mearim passou a integrar um coletivo que se desenvolve a Coleção Rios do Mundo, rede formada por artistas, pesquisadores e coletivos que documentam manifestações culturais em comunidades ribeirinhas. O projeto conta com apoio do Instituto Arraial do Pavulagem, do selo Porangareté (RJ) e de artistas como Alan Carvalho, Ronaldo Silva e Ane Santos, que têm contribuído com ações na vila.
A partir dessa articulação, foram realizadas oficinas com escolas locais, uma feira de artesanato e atividades interdisciplinares de valorização da história do lugar. Um dos desdobramentos foi a construção de um memorial da escola de Joanes, com apoio do escritor Adriano Barroso e da equipe pedagógica local.
Próximos Passos
As próximas atividades do projeto já têm data marcada. O Luau do Mearim será realizado no dia 18 de outubro, e o Auto da Santa Encantada acontece em 14 de novembro. Ambos os eventos envolvem mobilização direta da comunidade e trabalho coletivo de montagem.
“O objetivo continua o mesmo: criar formas diretas e acessíveis para que as pessoas da vila conheçam, discutam e transmitam sua própria história. Sem isso, qualquer política cultural se torna frágil.”
O Mearim é um exemplo concreto de como a memória e o pertencimento podem ser trabalhados como instrumentos de formação social e política, e não apenas como temas comemorativos. É também um lembrete de que a cultura no Marajó existe e resiste fora dos grandes centros e fora dos grandes eventos, muitas vezes por meio de ações autônomas e sustentadas por pessoas comuns.
Ouça o episódio 47 completo com Kelly Pantoja no podcast Ecos do Marajó:

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