Falta de Água Potável no Marajó: Um Problema de Política Pública e Negligência

Municípios de Breves e Bagre enfrentam escassez de água potável e saneamento básico, apesar de estarem cercados por recursos hídricos.


A escassez de água potável no arquipélago do Marajó é uma das expressões mais claras da negligência histórica com a região. No novo episódio do podcast Ecos do Marajó, a discussão se concentra em dois municípios que exemplificam esse problema: Breves e Bagre. Ambos enfrentam dificuldades estruturais graves no fornecimento de água de qualidade e na oferta de saneamento básico, serviços que deveriam ser garantidos como direito universal.

Em vez disso, grande parte da população depende de poços rasos, coleta de água da chuva, captação direta de igarapés ou da compra de água de terceiros, muitas vezes sem nenhuma garantia de potabilidade. Não há sistemas públicos funcionais que atendam de forma contínua, segura e universal.

Essa é a realidade apresentada por Zairo Benjó, morador de Breves, professor, pesquisador e militante do movimento pelo direito à água no município. Ele atua há mais de 14 anos nessa pauta e afirma que a precarização do acesso à água não é consequência do acaso.

“A questão da água em Breves é precarizada de forma proposital. Existe um projeto de precarização que atinge determinadas populações. Isso tem nome: racismo ambiental.”

Zairo reforça que a ausência de abastecimento seguro está diretamente relacionada a um padrão de gestão que sistematicamente exclui comunidades inteiras. Apesar da abundância de água doce na região, as casas não recebem água potável, e o fornecimento irregular ou contaminado provoca doenças, insegurança sanitária e instabilidade no cotidiano das famílias.

Segundo ele, a luta não é apenas para garantir água a uma ou outra comunidade, mas sim para que todas as pessoas tenham acesso a esse recurso básico com qualidade e regularidade.

No município vizinho, Iranilda Ferreira, liderança comunitária de Bagre, aponta para os mesmos problemas estruturais. Seu trabalho em pastorais sociais e iniciativas comunitárias inclui ações autônomas, como a construção de filtros caseiros para amenizar os efeitos da água de baixa qualidade. Mas ela é direta ao afirmar que isso não resolve o problema de fundo.

“Já passamos quatro dias sem cair uma gota d’água nas torneiras. Crianças já morreram por diarreia e vômito causados pela água contaminada. Isso não é um problema técnico, é ausência de compromisso com o básico.”

Iranilda lembra que a situação piora em períodos de seca ou falhas no fornecimento, mas que a precariedade é contínua. Em suas palavras, o descaso é evidente: nem mesmo a água de má qualidade chega com regularidade, e o impacto disso na saúde e na educação é imediato, crianças adoecem, faltam às aulas e perdem qualidade de vida por falta de um serviço básico.

Ela também critica a prática recorrente de transformar o problema em discurso de campanha eleitoral, enquanto as ações efetivas não saem do papel:

“Toda eleição é a mesma promessa: ‘Vamos resolver a questão da água’. Mas depois ninguém aparece. Quem sofre é a população. Não são os filhos dos políticos que bebem água contaminada ou passam dias sem banho.”

Tanto Zairo quanto Iranilda apontam que a única forma de enfrentar essa situação é com organização comunitária, participação política e cobrança direta por políticas públicas estruturantes. A falta de acesso à água potável e ao saneamento básico não é apenas uma questão de saúde pública, é uma violação dos direitos humanos. E, como eles alertam, não há escassez de água, e sim de vontade política.

O episódio reforça que tratar desse tema é também enfrentar questões de desigualdade, omissão do Estado e ausência de planejamento público. O fornecimento de água e saneamento precisa ser tratado como prioridade de políticas intersetoriais que articulem o poder municipal, estadual e federal.

O Marajó, ainda hoje, continua à margem dessas discussões. E é isso que os moradores estão tentando mudar.

Ouça o episódio completo do podcast Ecos do Marajó e entenda por que o acesso à água potável ainda é um privilégio no arquipélago:




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